O soldado Wilson Sandoval desequilibrou-se e, para não cair, fincou o facão no solo da selva de San Vicente del Caguán, no centro-sul da Colômbia. Assustou-se com o som oco que ouviu. Chegou a pensar que fosse uma das muitas minas espalhadas na região pelos guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Ao cavar o chão, ele encontrou uma botija azul repleta de cédulas novas de peso colombiano. Sandoval encheu uma mochila de dinheiro e enterrou de novo o que não conseguiria carregar.
No acampamento, deu alguns maços a dois soldados amigos, com os quais fez um pacto de silêncio. Poucas horas depois, ao tentar desarmar uma mina na mesma região, um sargento perdeu parte da perna e, ao mesmo tempo, deflagrou uma chuva de dinheiro picado. A notícia, associada à descoberta de Sandoval, correu como um rastilho de pólvora entre os homens da companhia Demolidor, um batalhão de contraguerrilha do Exército colombiano. Em dez dias, incentivados por seus comandantes, 126 soldados tomados por uma espécie de febre do ouro deixaram o terreno completamente esburacado. No total, desenterraram 25 botijas com o equivalente a US$ 46 milhões, entre pesos e dólares. E decidiram guardar para si cada centavo.
Quando Sandoval encontrou a primeira botija, duas companhias estavam na selva, com a missão de resgatar reféns das Farc. A Demolidor espalhava-se por uma planície. A outra companhia, a Abutre, ocupava uma colina das imediações. Em incursões anteriores, esconderijos das Farc com armas e víveres haviam sido encontrados. Ninguém jamais havia se deparado com pilhas de dinheiro. A riqueza súbita virou a cabeça dos militares, a maioria deles soldados de origem humilde, que ganhava o equivalente a US$ 120 mensais. Tiraram até fotografias. Mas logo surgiram desconfianças e atritos entre os homens da Demolidor. Um soldado foi forçado a participar da partilha, mesmo argumentando que sua religião não permitia. E uma nova lei passou a vigorar: quem revelasse o segredo, seria morto.
Não demorou, porém, para os militares da Abutre desconfiarem da atividade incessante na planície. Durante inspeção no sopé da colina, acharam botijas azuis flutuando em um rio e, dentro delas, etiquetas indicando valores. Pressionados, os homens da Demolidor concordaram em repartir o butim, a começar por três botijas amarelas que tinham acabado de encontrar, cheias de dólares americanos. Ficaram todos ricos, embora com provisão escassa. Lá, não havia nada para comprar, mas até barracas de câmbio foram improvisadas, pois os homens da Abutre tinham dólares, enquanto os da Demolidor possuíam moeda local.
"Naqueles dias eram muitos os que subiam a colina carregados de pesos colombianos e desciam leves com seus dólares", contou o soldado Carlos Sotelo ao jornalista Eccehomo Cetina, autor do livro "O Tesouro - Uma História de Roubo nas Farc", lançado no Brasil pela Editora Record. "Para mim foi bom porque por um punhado de dois milhões de pesos me deram mil dólares em dez notas de cem dólares, desses que têm a cara de um gringo distinto, muito parecido com Simón Bolívar", lembrou o soldado, comparando o americano Benjamin Franklin, cujo rosto ilustra a cédula de U$ 100, com o venezuelano que combateu o domínio espanhol na América Latina.
Os excessos cometidos pelo resto da tropa denunciaram a apropriação indevida. Poucas semanas depois de chegar ao batalhão, em maio de 2003, Sandoval e outros 61 militares estavam presos. Os outros se encontravam foragidos. "Para os soldados, o tesouro não foi uma bênção, mas uma maldição", costuma repetir Carlos Cetina, advogado de 15 dos acusados. Cetina se refere à sucessão de ameaças e de extorsões que os militares enfrentam. Há pelo menos uma exceção: um soldado da Demolidor que, ainda na selva, anunciou que usaria a sua parte do dinheiro para fazer uma operação de mudança de sexo. Depois de concretizar o sonho no Equador, hoje ele se chama Liliana e vive em algum lugar da América Central. ISTOÉ