Julgamento secreto promovido na Escócia é fato preocupante

Os poderes extraordinários de tribunais escoceses para promover julgamentos sigilosos foram demonstrados por um caso que a mídia foi proibida de noticiar.
O caso de importância menor, envolvendo um adolescente em um tribunal de xerife em Inverness, teria passado despercebido, não fosse o fato de o promotor público ter pedido que o caso fosse ouvido em sessão a portas fechadas.

Isso não é incomum em julgamentos na Escócia que envolvem menores de idade --o réu deste caso tem 17 anos-- ou testemunhas vulneráveis. Mas é de praxe permitir que a mídia assista aos julgamentos e os noticie, embora tenha que obedecer a restrições à identificação dos réus ou testemunhas.

No caso em pauta, porém, a xerife Margaret Neilson deferiu o pedido do promotor, proibindo qualquer divulgação do caso pela imprensa. O repórter do jornal local, "The Inverness Courier", foi orientado a deixar o tribunal.

O julgamento, que se deu ao nível sumário, para delitos de gravidade menor, foi realizado, o réu foi condenado, sendo sentenciado posteriormente em outra sessão fechada.

Mesmo em sessões fechadas, normalmente a mídia é autorizada a saber de informações como a acusação, se o réu se declarou culpado ou inocente, e o resultado do julgamento. Neste caso, porém, não foram fornecidas informações desse tipo.

Rosalind McInnes, autora de "Scots Law for Journalists" (O direito escocês para jornalistas), disse: "É extraordinário. O que temos aqui é, concretamente, um julgamento secreto. Não faço ideia de por que a mídia teve acesso negado."

O que é ainda mais perturbador neste caso é a dificuldade que o jornal envolvido vem enfrentando para contestar a ordem judicial. Foi dito ao "Inverness Courier" que, para isso, ele teria que passar pelo processo legal de apresentar uma petição de nobile officium na alta corte do Judiciário ou em um tribunal de sessões em Edimburgo. Isso teria custado ao jornal vários milhares de libras em custas legais.

O editor do "Inverness Courier", Robert Taylor, comentou: "Não creio que seja um caso de intenção prejudicial, e sim uma tentativa equivocada de poupar alguém de publicidade. Mas foi criado um precedente muito perigoso. Foi um julgamento, e o réu se declarou inocente."

Taylor escreveu para o xerife principal da região, sir Stephen Young, pedindo uma explicação das ações do tribunal neste caso.

Uma porta-voz do gabinete, falando em nome do promotor público, disse apenas: "Tendo analisado todos os fatos e as circunstâncias deste caso, o promotor público da região enviou ao tribunal uma moção para que esse caso fosse julgado reservadamente. A xerife deferiu a moção, e assim o tribunal ficou fechado enquanto eram realizados os procedimentos."

O serviço de tribunais da Escócia disse que não há estatísticas quanto à frequência com que os tribunais promovem sessões fechadas, como essa.

Os tribunais ingleses possuem poderes semelhantes para excluir a mídia, para atender aos interesses da justiça ou por razões de segurança nacional, mas há jurisprudência que substancia o direito de um repórter de contestar essa ordem no tribunal, se ela for implementada sem o trabalho de uma audiência em um tribunal superior. Mesmo assim, é inusitado que o resultado de um julgamento como esse seja sujeito a uma proibição permanente de divulgação pela mídia.

Além dos poderes previstos pelo direito escocês de promover julgamentos a portas fechadas, usados neste caso, os tribunais escoceses agora contam com outra maneira legal de excluir a mídia. O artigo 93 da Lei de Polícia, Ordem Pública e Justiça Criminal (Escócia) de 2006 concede ao tribunal o direito de excluir a presença de qualquer pessoa que o tribunal considere que não tem interesse suficiente no caso; de proibir qualquer reportagem sobre o caso, e de proibir a mídia de noticiar que foi aplicada a proibição de reportagem.

O artigo foi criado para cobrir julgamentos envolvendo informantes da polícia, nos casos em que a divulgação de informações pessoais a respeito deles pudessem colocar em risco os informantes ou suas famílias. Mas uma ordem que proíbe qualquer reportagem pela mídia parece draconiana, já que, na maioria dos casos, seria preciso apenas respeitar o anonimato dos envolvidos. FONTE: GUARDIAN
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