Em uma província espanhola, um crepúsculo dos matadores

Aqui na Catalunha, esta região persistentemente separatista da Espanha, as touradas enfrentam dificuldades há eras. E a economia não tem ajudado. Os preços dos ingressos para as touradas são equivalentes aos das óperas. E a produção das touradas é uma atividade cara. Neste ano o número de touradas despencou em toda a Espanha.
Mas Jose Tomas (foto) ainda atrai enormes multidões. Para os aficionados, ele é a última grande esperança para o "toreo", conforme as touradas são chamadas por aqui. Reservado, um matador dotado de um destemor e uma calma sobrenaturais, cercado de histórias e de mistérios, ele aposentou-se em 2002, aos 27 anos, e no auge da fama, apenas para retornar inesperadamente cinco anos mais tarde em Barcelona para uma tourada que seria a primeira com venda total de ingressos em 20 anos. Todos os 19 mil lugares do Plaza Monumental, a bela arena de tijolos e azulejos desta cidade, foram vendidos. "Esta corrida talentosa para terminar a estação pode ter sido a última nesta arena", lamentou o "El Pais", o jornal espanhol, na manhã seguinte. "Que vergonha o fato de os políticos proibirem as touradas aqui". March, o colunista de touradas do "La Vanguardia", expressou-se de forma mais contundente. "Nós queremos ser diferentes do resto da Espanha ao não matarmos touros", disse ele. "Mas o que nós estamos matando é a nossa cultura". No último domingo ele estava de volta, para mais uma ocasião especial: talvez a última tourada na Catalunha. Nas últimas três décadas, a queda do interesse dos jovens catalães somou-se à pressão dos defensores dos direitos dos animais e dos nacionalistas da região para acabar com o toreo na Catalunha. Nas quatro províncias da região, as arenas de touros foram fechadas; a de Barcelona é a única que ainda encontra-se ativa. Agora um referendo no parlamento catalão poderá acabar completamente com as touradas na província. Muito se tem falado nesta parte da Espanha sobre uma proibição total do toreo. Os fãs minimizavam o fato. Mas, desta vez, até mesmo os aficionados acreditam que é provável que a proibição seja aprovada. Assim, a corrida do domingo - o termo refere-se a uma apresentação regular à tarde de três matadores e seis touros - seria mais do que apenas a última tourada da estação. Ela marcaria também o fim de uma era. E Jose Tomas (Jose Tomas Roman Martin, mas todo mundo o conhece pelo primeiro nome composto) chegou, naquilo que parecia ser uma última tentativa de preservar as touradas. Ele trouxe a sua arte e o sucesso de bilheteria... É claro que os oponentes veem a questão de outra forma. Cerca de doze defensores dos direitos dos animais estavam em frente à arena no domingo, portando cartazes manchados de tinta vermelha. Mas os nacionalistas catalães passaram a espalhar a ideia de que o toreo seria uma imposição à Catalunha feita pelo regime fascista de Franco, que promovia as touradas, bem como o "flamenco", um símbolo patriótico. A oposição às touradas transformou-se em uma declaração de separatismo por outros meios. Os direitos dos animais surgiram depois e alimentaram a agenda nacionalista. O fato de a questão continuar sendo sobretudo política é demonstrado do outro lado da fronteira, na região catalã do sul da França, onde as touradas são defendidas de forma tão feroz quanto são combatidas na Catalunha espanhola, por exatamente as mesmas razões separatistas. No caso dos catalães franceses, o motivo é o fato de as touradas terem sido proibidas por Paris... Concordando ou não com esse argumento, seria um erro concluir que um fim das touradas aqui seja o prelúdio de uma proibição em toda a Espanha. Embora três quartos dos espanhóis afirmem não ter interesse pelas touradas, eles detestam que estrangeiros lhes digam o que podem ou não fazer. É por isso que a Espanha tem resistido consistentemente às pressões do Parlamento Europeu e do Tribunal Europeu de Direitos Humanos para acabar com o toreo. O que poderia acabar com as touradas seria a indiferença pública, a competição por parte de entretenimentos mais baratos como o futebol e os videogames e a morte de uma geração de aficionados. MICHAEL KIMMELMAN (The New York Times)
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