No Brasil, quase 70 milhões de homens e mulheres bebem. Incluem-se aí desde as pessoas que tomam uma única dose de álcool ao longo de um ano até os dependentes pesados, que não vivem sem a bebida. Entre os dois extremos, existe um grupo que, até pouco tempo atrás, não aparecia nas estatísticas e nas preocupações médicas: os bebedores de risco. É grande a probabilidade de você, leitor, ser um deles. Estima-se que os bebedores de risco somem 30 milhões de brasileiros.
Aparentemente, são pessoas que mantêm uma relação tranquila com a bebida. Vez por outra, cometem alguns deslizes, mas nada que desperte muita atenção ou faça soar o alarme de que um hábito agradável começa a degenerar em vício. Quem já não dirigiu depois de um jantar regado a um bom vinho? Quem já não tomou alguns copos de cerveja durante um tratamento de saúde à base de antibióticos? Quem já não curtiu uma ressaca tão forte que o dia foi perdido na escola ou no trabalho? Pergunte a um bebedor de risco como é a sua relação com o álcool e ele certamente dirá que bebe apenas socialmente. Mas o limite que separa esse tipo de bebedor do abismo é muito tênue.
Metade deles está à beira do alcoolismo. Só não ultrapassarão a fronteira entre o abuso e a dependência, se operarem mudanças em relação ao hábito de beber. Resume a psiquiatra Camila Magalhães Silveira, da Universidade de São Paulo: "Cuidar desses pacientes significa, no fundo, prevenir o aparecimento do alcoólatra."
Essa abordagem é totalmente inovadora no tratamento do alcoolismo. É um extraordinário avanço o reconhecimento de que existe um processo indolor, uma progressão em terreno inofensivo que conduz lentamente ao alcoolismo patológico. Seu corolário é a noção de que essa fase crônica pode ser diagnosticada e interrompida para que a pessoa um dia possa recuperar a capacidade de desfrutar a bebida sem maiores riscos.
Até a década passada, os especialistas preocupavam-se, sobretudo, com as pessoas já fase da dependência, quando a luta contra o álcool é muito mais difícil de ser vencida e abstinência total e permanente é a única chance de controle da doença. Para os bebedores de risco, porém, a abstinência não é necessariamente o objetivo a ser alcançado. Isso porque eles ainda não desenvolveram dependência física do álcool. Um bebedor de risco pode passar dias ou poucas semanas sem tomar uma cerveja, uma taça de vinho ou algumas doses de uísque. Mas para ele a bebida tem um significado psicológico muito positivo. Ela lhe dá prazer, mas, principalmente, maior autoconfiança. Necessária, sim. Mas não, imprescindível. São incapazes de divertir-se ou ficar à vontade numa roda sem esvaziar um copo.
Os estudos mais recentes sobre os efeitos do álcool no organismo mostram que muitos desses homens e mulheres podem continuar desfrutando do que julgam serem os efeitos benéficos da bebida sem enveredar sem volta pelo caminho do alcoolismo. Para isso é fundamental que tomem consciência do grau de risco a que estão se expondo e aprendam a quebrar o padrão de comportamento associado ao álcool.
O grande desafio da medicina é fazer com que os bebedores de risco se reconheçam como tais e procurem ajuda. Diz o psiquiatra André Malbergier, do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo: "Na maioria das vezes, eles consomem aquela quantidade de álcool aceita socialmente e só chegam aos consultórios quando o álcool ataca a saúde provocando gastrite e dor de cabeça crônica." Teremos cumprido nosso objetivo se ao acabar de ler esta reportagem você se reconhecer como um bebedor de risco e isso levá-lo ou levá-la a procurar ajuda profissional. Saúde! VEJA