Já imaginou ganhar um desconto de até 4 500 dólares (ou quase 9 000 reais) para trocar um carro caindo aos pedaços por um modelo último tipo? A proposta faz parte do mais recente esforço do governo americano para estimular as vendas de sua combalida indústria automobilística. Apelidado de cash for clunkers, ou "dinheiro por sucata", o programa tornou-se sucesso imediato nos Estados Unidos. Previsto para se estender até novembro, durou apenas uma semana. Motivo: a verba inicial, de 1 bilhão de dólares, evaporou, tamanho o interesse dos americanos em se livrar de suas latas velhas. O Congresso acabou aprovando em caráter de urgência, na semana passada, um pacote extra de 2 bilhões de dólares para garantir a sobrevida do projeto. A prova de seu êxito está nas vendas de julho, que cresceram 16% em relação às do mês anterior. Mais de 180 000 veículos foram emplacados por causa da troca das sucatas. Além de combater a recessão, o programa tem o objetivo de contribuir com a redução da emissão de gases do efeito estufa ao subsidiar a troca de veículos beberrões por modelos mais eficientes.
A ideia não surgiu nos Estados Unidos. Há programas semelhantes na Europa. Na Alemanha, as vendas cresceram 40% desde que o projeto foi adotado, em fevereiro deste ano. França e Inglaterra também apresentaram resultados positivos. A troca só pode ser feita por modelos novos, mais econômicos e menos poluidores. Nos Estados Unidos, ao entregar a lata velha, o cliente ganha um desconto que pode ser de 3 500 ou 4 500 dólares, proporcional à diferença de consumo entre o automóvel antigo e o novo. O governo tomou medidas para evitar que os carros velhos fossem revendidos no mercado paralelo e continuassem a circular, como ocorreu na Alemanha. O revendedor é obrigado a inutilizar o motor do veículo antigo, despejando, dentro do motor, uma solução de silicato de sódio (veja o quadro). Depois de aquecido, esse produto se solidifica e trava o motor.
Apesar da popularidade do cash for clunkers, economistas são céticos em relação à sua eficácia. "Certamente, muitos consumidores foram apenas estimulados a antecipar uma decisão de compra. Por isso, é muito cedo para dizer se há realmente uma retomada duradoura da indústria", afirmou Rick Larrick, professor de administração da Universidade Duke. Além disso, ironicamente, as três grandes montadoras americanas não foram as mais favorecidas pelo programa: entre os cinco veículos mais vendidos, quatro são produzidos por fabricantes de origem japonesa, ainda que nos Estados Unidos. Juntas, as vendas da Chrysler, da GM e da Ford somaram menos da metade do total.
Já os ambientalistas aprovaram a ideia, apesar de seus benefícios mínimos na despoluição do ar. Segundo o Departamento de Transportes americano, o total das trocas de carro feitas até agora resultou numa economia de 60% de combustível em relação aos veículos antigos. Isso equivale a 700 000 toneladas de gás carbônico que deixarão de ser lançadas na atmosfera, um quase nada em comparação com os 6 bilhões de toneladas que os Estados Unidos emitem a cada ano. A expectativa, no entanto, é que o programa represente um duro golpe à cultura dos veículos grandes e beberrões - o que, até certo ponto, tem sido observado na quantidade de carros híbridos vendidos. "É uma vitória, mas muito tímida. A proposta foi muito mais estimular as vendas do que preservar o meio ambiente. A redução de gás carbônico serviu de argumento político para vender o programa", afirmou Dan Sperling, professor de ciência e política ambientais da Universidade da Califórnia, em Davis.
O governo brasileiro poderia se inspirar, ao menos em parte, no projeto americano. Aqui o estímulo à indústria automobilística ocorreu por meio de redução de impostos, mas nada foi feito para que os carros velhos e malconservados deixem de circular. Sem essas latas velhas, extremamente poluidoras e que vivem quebrando, o trânsito e a qualidade do ar nas grandes cidades sairiam ganhando. VEJA