Cientistas da Universidade da Carolina do Norte, nos EUA, anunciaram a superação de mais um obstáculo na luta para entender o funcionamento do mortal vírus da aids. Eles decodificaram a estrutura completa do genoma do HIV-1, a variante mais disseminada do vírus da doença, responsável por 70% dos casos fatais. O que isso significa? Como todo ser vivo, o vírus da aids tem seu funcionamento e metabolismo comandados por genes, as unidades fundamentais da hereditariedade formadas por uma cadeia de moléculas orgânicas. Cada gene determina, sozinho ou em combinação com outros, as características de cada espécie – da cor dos olhos nos seres humanos à capacidade de mutação, no caso do HIV-1. Já havia sido decifrada a sequência genética do HIV-1, ou seja, a ordem em que os genes se enfileiram. Os cientistas da Carolina do Norte deram o passo seguinte. Eles conseguiram visualizar a maneira como os genes do vírus da aids se acomodam em seu berço genético.
Do ponto de vista do tratamento da doença a descoberta pouco significa. Ela é, porém, um feito extraordinário da ciência por ter conseguido enxergar a estrutura genética de um vírus que não possui DNA e vale-se apenas de seu RNA para armazenar as instruções genéticas. A estrutura do DNA é conhecida desde 1953, quando James Watson e Francis Crick usaram raios X para obter a imagem pioneira da famosa "dupla-hélice", feito que os imortalizou. Outra coisa bem mais difícil, julgada até impossível por alguns, é decifrar como os genes se organizam no RNA. A diferença entre as duas estruturas é grande. O DNA é composto de duas fitas interligadas, a "dupla-hélice". O RNA é uma fita única. Os genes se ligam a ela não na familiar forma de escada em espiral do DNA, mas seguindo um complexo esquema. Os pesquisadores americanos desenvolveram um método capaz de produzir uma imagem da estrutura dos genes no RNA. Esse é um feito extraordinário.
Decifrada a forma, começa agora o principal – entender a função de cada gene ou de grupos de genes trabalhando em associação. Em especial, inicia-se a corrida para entender o processo pelo qual o HIV consegue sofrer mutações tão radicais e rápidas, característica que o torna um alvo móvel com maior facilidade para escapar das defesas imunológicas do organismo. O que se vislumbra é a possibilidade no futuro de introduzir modificações genéticas no vírus e ir testando como elas afetam sua capacidade de mutação.
O mapeamento genético traz surpresas também na investigação dos mistérios da natureza. É o caso do sequenciamento do genoma do mandarim, pássaro originário da Oceania que nasce sem saber cantar – ele tem de aprender. Como o mesmo se dá com a fala nos seres humanos, potencialmente o estudo do mandarim vai ajudar a entender as raízes genéticas da dislexia e da gagueira nas pessoas. Nas palavras do microbiologista Carlos Frederico Menck, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo: "A genética é um livro que acabamos de abrir. Estamos agora decifrando as primeiras sílabas. Em breve descobriremos como se formam as palavras e frases nesse idioma desconhecido". VEJA