A disparidade entre a ciência mostrada no cinema e a ciência real
costuma ser enorme. Mas há filmes que, se não são inteiramente
‘cientificamente corretos’, usam pesquisas e conceitos reais com certa
verossimilhança. É o caso de Planeta dos Macacos — A Origem, feitas, é claro, as várias e devidas ressalvas.
Não é segredo que os símios do filme ficam mais inteligentes.
Uma pesquisa conduzida com o intuito de curar a doença de Alzheimer,
usando um vírus, faz com que sejam criadas novas sinapses, conexões
entre os neurônios. Este é o primeiro ponto do filme em que, apesar de
partir de uma premissa interessante - o fato de não hevar hoje remédio
capaz de curar o Alzheimer -, o resultado final é fantasioso.
"O foco dos remédios pesquisados atualmente é inibir ou degradar a
proteína beta-amiloide", explica David Schlesinger, pesquisador no
Instituto do Cérebro do Hospital Albert Einstein. A proteína
beta-amiloide se acumula no cérebro e prejudica a transmissão de
informações entre os neurônios, prejudicando a memória e outras funções
cognitivas.
Sem energia — O medicamento mostrado no filme
aumentaria as sinapses dos pacientes, mas aqui há mais problemas. "A
doença de Alzheimer não é causada por um problema de sinapses", diz
Schlesinger. "Então, o remédio não adiantaria nada." Sem contar que
aumentar o número de sinapses seria inviável, segundo a neurocientista
Suzana Herculano-Houzel. "Existe um número máximo de sinapses por
quantidade de tecido cerebral", diz Suzana.
O problema do aumento hipotético das sinapses seria o consequente
aumento do consumo de energia pelo cérebro. Embora represente apenas 2%
do peso corporal, o cérebro consome 25% da energia produzida pelo corpo.
Um aumento do número de sinapses seria inviável energeticamente.
Quanto ao uso de um vírus, os roteiristas acertaram por tabela. Foi
anunciada, na semana passada, uma pesquisa que pela primeira utiliza
vírus modificados geneticamente para combater células cancerosas. A
aplicação de remédios assim no cérebro seria, no entanto, extremamente
complicada. “É muito difícil controlar onde e quando os vírus atuam”,
afirma Schlesinger.
Planeta dos camundongos — Talvez o principal problema
do filme seja que, embora os macacos sejam usados em várias pesquisas
médicas, inclusive neurológicas, não são usados no teste de medicamentos
contra o Alzheimer.
Para este fim, embora não constituam o que os cientistas chamam de
"modelo ideal" (organismo usado para replicar as reações que os seres
humanos teriam a uma determinada substância), são utilizados camundongos
alterados geneticamente para desenvolver Alzheimer.
Os camundongos, aliás, foram os únicos animais modificados
geneticamente para ganhar supercérebros. Uma pesquisa realizada pelos
pesquisadores Anjen Chenn e Christopher Walsh em 2002 modificou a
produção de uma proteína que fez com os camundongos desenvolvessem
cérebros maiores que o normal. A pesquisa tinha como objetivo estudar os
mecanismos da neurogênese, nascimento de novos neurônios, e foi bem
sucedida neste aspecto. Mas nenhum dos camundongos com o cérebro gigante
chegou a nascer e foi impossível fazer testes determinando se eles eram
mais espertos que os outros.
Voz de macaco — Um dos símios mostrados no filme
consegue, a certa altura, falar como um humano. Mesmo que fosse possível
tornar os gorilas, chimpanzés, orangotangos e bonobos — espécies
retratadas no filme —inteligentes a este ponto, o aparelho vocal deles
não tem a anatomia necessária para fazer sons iguais aos dos humanos.
Mas o filme acerta quando mostra os símios usando a linguagem de
sinais. Projetos realizados por cientistas pioneiros como o americano
Herbert Terrace, professor do departamento de psicologia da Universidade
de Columbia, ensinaram chimpanzés a usar a linguagem humana para se
comunicar. O experimento, realizado nos anos 1970, ensinou Nim Chimpsky
(uma brincadeira com o linguista Noam Chomsky) a combinar 125 sinais
para se comunicar. E assim, como o personagem de James Franco faz com o
filhote de chimpanzé Caesar, ele foi criado como um humano pelos
pesquisadores. FONTE: VEJA ONLINE