Brasileiros pesquisam droga com potencial para tratar Aids e tumores

As multinacionais farmacêuticas costumam propagandear que o custo do desenvolvimento de um novo remédio é da ordem de US$ 800 milhões. Noves fora perdas com fracassos e todo o gasto com marketing colocados nessa conta (que muitos dizem ser, na verdade, a maior parte), ainda é um valor que torna o desenvolvimento de fármacos originais uma atividade praticamente possível apenas às multinacionais de países ricos. Ao menos essa é a noção que se costuma ter.
Uma história bem diferente está sendo contada por um grupo de cientistas brasileiros. De modo alternativo, sem apoio do governo ou da indústria, eles subverteram o modelo tradicional de pesquisa farmacológica e desenvolveram um composto 100% nacional, com potencial para tratar infecções virais (incluindo a aids), não-virais (tuberculose e malária) e tumores, a um custo estimado de US$ 10 milhões. A diferença impressionante de valor é só o resultado mais prático de um longo processo de persistência, com erros, acertos, diversas portas na cara, desistências e retomadas que se estende desde a década de 1950, quando um médico de Birigui (noroeste de São Paulo) intrigado com fungos começou a testá-los na esperança de encontrar uma cura para o câncer. O trabalho de Odilon da Silva Nunes acabaria levando ao desenvolvimento do P-Mapa, medicamento que mostrou, em experimentos com animais e estudos preliminares com humanos, agir como imunomodulador. Ou seja, ele é capaz de reequilibrar o sistema imunológico abalado pelo ataque de tumores, vírus, bactérias ou protozoários, tornando-o mais forte para combatê-los. Essa habilidade foi confirmada em estudos conduzidos nos NIH (Institutos Nacionais de Saúde), dos EUA. A pesquisa que começou isolada no laboratório caseiro de Odilon – sozinho ele bancava seus experimentos, o biotério, a fermentação dos fungos –, e por décadas enfrentou resistência das universidades, de agências de fomento e da indústria, hoje reúne cerca de 150 pesquisadores no Brasil (de instituições como Unesp e Unicamp) e no exterior, em um esquema de rede aberta de pesquisa que se assemelha às plataformas de desenvolvimento de software livre. Foi a saída encontrada para driblar as dificuldades de criar um remédio novo em um país sem essa tradição. A Farmabrasilis, ONG criada por Iseu Nunes, filho de Odilon (morto em 2001), para coordenar a rede internacional de pesquisas, detém a patente do composto e o distribui para os interessados em fazer pesquisa. A droga foi colocada em domínio público, com as descobertas disponíveis a todos. O compromisso assumido pelos cientistas é que assim que todas as fases de pesquisa estiverem cumpridas, inclusive os testes clínicos, e o P-Mapa for aprovado pelas agências regulatórias, a propriedade intelectual e os royalties serão liberados sem custos desde que seja para uso em programas de saúde pública. “A regra é: recebeu de graça, dá de graça. Não é presente para multinacional”, afirma Iseu. Nesse contexto, a equipe da Farmabrasilis resolveu direcionar as pesquisas para as moléstias que atacam populações mais pobres, as tais doenças negligenciadas, assim chamadas porque não ganham atenção da indústria. Em março deste ano, por exemplo, o fármaco foi apresentado como alternativa para o tratamento de tuberculose no 3º Fórum Mundial Stop TB. “Uma vez que o P-Mapa estimula o sistema imunológico, tomado junto com a medicação padrão pode aumentar sua eficiência, possivelmente também diminuindo a duração do tratamento, que hoje é de seis meses e é um dos fatores para seu abandono”, explica Iseu. Essa alternativa vem sendo considerada um modelo que poderia ser seguido fora do Primeiro Mundo para solucionar suas carências de medicamentos. A possibilidade foi aventada em um estudo que agora está evoluindo para o doutorado na Unicamp. “O que sabemos sobre conhecimento nos mostra que quanto mais colaborativo for o processo de sua produção, maior será o avanço. Se não há interesse em deter o monopólio, mas em resolver um problema, quanto mais visões diferentes estiverem contribuindo, as chances de encontrar soluções criativas serão muito maiores”, afirma Lea Velho, professora do Departamento de Política Científico-Tecnológica e orientadora da pesquisa do jornalista Carlos Fioravanti. “A descoberta do P-Mapa, a pesquisa sobre seus efeitos e seu desenvolvimento revelam como a produção de ciência em um país em desenvolvimento funciona ou poderia funcionar. (Mostram) que a descoberta e o desenvolvimento de medicamentos podem ser feitos em outro ambiente que não os estritamente controlados e dotados de recursos materiais e financeiros quase ilimitados das empresas farmacêuticas”, escreve o pesquisador em trabalho feito em 2007 na Universidade de Oxford. UNESP CIÊNCIA
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