Drama: O Natal de Eluana

Eluana Englaro era uma simples estudante de 22 anos em 1992, quando sofreu um acidente de carro que teve como consequência um estado de coma vegetativo que dura até hoje. Seu álbum de família virou um dos documentos mais conhecidos na Itália, nos últimos anos. O seu rosto moreno sorridente e bonito, fotografado enquanto esquia, brinda, ou brinca com amigos e parentes, se tornou uma presença corriqueira na mídia.
Mais uma vez, nesse fim de ano, seremos obrigados a lembrar o seu drama, e a observar pela enésima vez as rugas do rosto sofrido de seu pai, Beppino. Dessa vez, o responsável é o ministro da saúde do governo italiano, Maurizio Sacconi, que enviou uma ordem a todas as regiões da Itália em que proíbe a todos os hospitais, públicos e particulares, de desconectar as sondas que alimentam e hidratam as pessoas em coma vegetativo permanente. É claro que a portaria do ministro se refere exclusivamente ao caso de Eluana, na tentativa de bloquear por vias administrativas a execução da sentença do Supremo tribunal que em novembro autorizou a família Englaro a suprimir a alimentação artificial da moça, que vive como um vegetal há 16 anos. O advogado da família, o constitucionalista Vittorio Angiolini, está convencido de que a portaria do ministro nem sequer poderá ser publicada na Gazeta Oficial: "Sacconi sabe que não pode dar ordens aos médicos como se eles fossem soldados. Estamos diante de um problema médico, não administrativo, e o ato do ministro está claramente fora da lei" - comentou Angiolini. Realmente, a portaria do ministro da saúde parece não ter cabimento legal. Antes de mais nada, nenhum ministro pode anular uma sentença do Supremo tribunal; em sua ordem, Sacconi se refere a dois documentos que não são leis do Estado italiano. O primeiro é o artigo 25 da Convenção dos direitos das pessoas com deficiência, aprovada pela ONU, que recomenda às nações do mundo a "impedir que se neguem, de forma discriminatória, serviços de saúde ou de atendimento da saúde ou alimentos sólidos ou líquidos por motivos de incapacidade". O segundo documento que inspirou o ministro são as indicações do Comitê italiano de bioética, que diz que a suspensão de alimentos e água "se deve avaliar como uma forma particularmente cruel de abandonar um enfermo", salvo em caso de doença terminal. Pode ter sido mera coincidência, mas Sacconi convocou os jornalistas para dar publicidade à sua portaria no mesmo dia em que se soube que a clínica "Città di Udine" - a única na Itália - se declarou pronta para acolher Eluana e desconectar a sonda que a alimenta e hidrata. Depois das declarações do ministro, a clínica deu volta atrás. Graças à burocracia, este será mais um Natal doloroso para Beppino e Eluana Englaro. (Vera Gonçalves de Araújo)
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