Cartunista brasileiro astro da primavera árabe 'esboça' Líbia do futuro

Desde janeiro, os desenhos na prancheta do carioca Carlos Latuff acompanham os avanços da primavera árabe. Depois do sucesso de suas charges no Egito, adotadas nos protestos nas ruas, o cartunista vem atendendo aos pedidos vindos da Líbia, com desenhos que antecipam a queda de Khadafi e imaginam o futuro do país após a mudança.
O envolvimento de Latuff com o conflito na Líbia começou a partir da demanda dos próprios manifestantes, que o procuraram através da internet assim como os organizadores dos protestos em outros países imersos na chamada primavera árabe. "Faço desenhos a pedido dos manifestantes e coloco na internet", resume Latuff, que tem 42 anos. "É um trabalho autoral, mas não se trata da minha opinião. É preciso que seja útil para os manifestantes, e que eles possam usar aquilo como uma ferramenta." Latuff disponibiliza as imagens em seu perfil no twitpic (http://twitpic.com/photos/CarlosLatuff), onde as charges podem ser baixadas e reproduzidas ao bel-prazer dos manifestantes. "A partir do momento em que coloco na internet, as charges deixam de ser minhas. Faço esse trabalho para que seja compartilhado. O importante é a mensagem", diz. Nesta semana, o cartunista fez charges que mostram Khadafi erguendo uma bandeira branca e o Tio Sam, símbolo dos EUA, chegando para cobrar a conta dos rebeldes líbios. Dando a derrocada do líder líbio como certa, Latuff já se prepara para uma nova leva de charges, enfocando problemas que poderão aparecer no país depois, com a transição para um novo governo. "Na minha opinião, o processo se encerrou, o Khadafi já caiu, não tem mais volta. Mas em breve haverá um novo governo e isso pode gerar novos problemas. Vamos ver o que vem por aí", afirma ele, crítico da intervenção das forças da Otan, dos Estados Unidos e da União Europeia. Protesto à distância - O cartunista descobriu que poderia "participar" dos protestos árabes à distância em janeiro. Depois de fazer algumas charges para manifestantes na Tunísia, foi procurado por organizadores do primeiro grande protesto que aconteceria no Cairo, na Praça Tahrir, em 25 de janeiro. Ao ver fotos dos manifestantes erguendo cartazes com suas charges, Latuff percebeu o potencial de seu trabalho – e a eficácia da estratégia de produzir e disponibilizar charges para manifestantes rapidamente, atendendo aos pedidos que chegam pelo Twitter e liberando-as para uso gratuitamente. Após o sucesso no Egito, chegaram encomendas da Argélia, Líbia, Bahrein, Iêmen, Síria. Mas a maior repercussão de seu trabalho foi mesmo no Egito, onde os manifestantes exibiram seus desenhos diariamente, do primeiro protesto até a derrocada de Hosni Mubarak. Como resultado, Latuff, acabou virando uma espécie de herói no país. "O feedback que tenho de lá é incomparável. Sou mais conhecido no Egito do que aqui. Ninguém é profeta na própria terra", diz ele, que nunca pisou no país norte-africano. Em junho, Latuff voltou a ser procurado por egípcios que queriam denunciar abusos cometidos pelo governo provisório, liderado por um conselho militar das Forças Armadas. "Depois de derrubar tiranos, a primavera árabe passa por uma fase menos espetacular, de transição, e sai dos holofotes. Mas a situação é muito grave e é preciso continuar acompanhando", diz. A última charge de Latuff feita a pedido de manifestantes egípcios, nesta semana, fez sucesso estrondoso na internet e na imprensa mundial. O cartunista transformou em Homem-Aranha o egípcio Ahmed al-Shahat, que no último sábado escalou os 13 andares do prédio da Embaixada de Israel no Cairo para substituir a bandeira israelense por uma egípcia, queimando a primeira. Dois dias depois de ter sido postado na internet, o desenho já virou camiseta no Cairo. Al-Shahat participava de protesto pela morte de cinco militares egípcios em um conflito entre israelenses e palestinos na fronteira com o Egito, semana passada. Seguidores - No Twitter, Latuff calcula ter mais seguidores árabes do que brasileiros. Os amigos que faz na internet o ajudam a traduzir os recados de suas charges para o árabe. Latuff se mobiliza por outras causas. É militante da causa palestina, tema de muitas de suas charges, e vive atento para conflitos em outras partes do mundo – neste mês, fez trabalhos sobre os protestos em Londres e sobre a fome na Somália, por exemplo. Problemas brasileiros como a violência policial e conflitos no campo também são temas de suas obras. Paralelamente ao trabalho de militância na internet, como define sua ocupação, Latuff ganha a vida desde os 22 anos fazendo charges para publicações de sindicatos de esquerda, como associações de professores, de servidores públicos e da Justiça Federal. Nos países árabes, ele sabe que parte importante de seu trabalho se deve justamente ao fato de estar afastado e poder dar voz a anseios que a própria população não pode verbalizar. Latuff diz ter ficado emocionado ao ver os egípcios empunhando a primeira charge que fez para os protestos na Praça Tahrir, que mostra Mubarak levando uma sapatada. "É um grito que está na garganta do egípcio, que passou 30 anos sem poder se expressar assim. Os artistas de lá também não podiam dizer isso, mas as pessoas se sentiram à vontade para levantar a mensagem. Isso não tem preço", diz. O cartunista acredita que seus pontos de vista tenham apelo pelo fato de ter se sensibilizado pela causa mesmo estando distante. "As pessoas hoje perderam o senso de solidariedade. Quando alguém apoia uma causa que não é dela, muitos logo desconfiam. O meu princípio é o do internacionalismo, como defendia o Che Guevara. Acredito na solidariedade entre os povos." FONTE: BBC BRASIL
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